No último dia 27 o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “… a responsabilidade do ortodontista em tratamento de paciente que busca um fim estético-funcional é obrigação de resultado, a qual, se descumprida, gera o dever de indenizar pelo mau serviço prestado”. Explicando: se um tratamento ortodôntico não atinge o resultado esperado, independente do motivo, configura-se “mau serviço prestado” e o ortodontista deve (literalmente) pagar por isso.

Eu quero meu sorriso assim. Vire-se, doutor!

Só pra nos situarmos, existem 2 naturezas de obrigação contratual, a saber:

  • De meio: obrigação de ser diligente, cuidadoso, prescrever corretamente… zelar pela saúde do paciente.
  • De resultado (de fim): quando o paciente “compra” o resultado do tratamento. Atualmente, isso costuma se aplicar a procedimentos ditos “estéticos”.

Quando ambas as partes, paciente e dentista, cumprem o papel que lhes cabe, costuma não dar briga. Pois o paciente que é consciente do seu papel ativo no sucesso do tratamento sabe reconhecer o zelo que o profissional tem pela sua saúde. O problema começa quando uma das partes (ou ambas) “atravessam o samba”. E aí… a culpa do insucesso do tratamento é de quem?

São 2 as teorias da culpa:

  • Teoria subjetiva: a culpa é do paciente e/ou do dentista.
  • Teoria objetiva: a culpa é sempre de quem pratica o ato, no caso, o dentista.

Ainda, é importante lembrar que:

  • O único artigo do Código do Consumidor que fala em culpa é o Art. 14, parágrafo 4o, que diz que os profissionais liberais sempre respondem por culpa (em caso de negligência, imperícia ou imprudência), caracterizando ato ilícito. Porém quem alega a culpa é que tem que prová-la. E quem comete ato ilícito terá que repará-lo.
  • No caso do paciente ser considerado a parte mais frágil da briga (o que é comum), pode acontecer a inversão do ônus da prova, que quer dizer que quem é acusado é que tem que provar que é inocente. Isso visa, segundo o Código de Defesa do Consumidor, o equilíbrio da relação de consumo face à reconhecida vulnerabilidade do consumidor.

Sabe-se (ou todo profissional de saúde sabe) que não se pode prometer resultados quando se lida com estruturas biológicas, por um motivo simples: isso foge ao nosso alcance. Não somos um amontoado de peças que podem ser trocadas e/ou consertadas. Então, como é que começou essa história de querer atribuir obrigação de resultado ao profissional de saúde? A coisa é antiga…

Em 1937 um jurista chamado José Menegale Guimarães caracterizou a atividade do cirurgião-dentista como atuante sobre patologias bem específicas, que apresentam sintomas, diagnóstico e forma de tratamento simples e, portanto, ficaria mais fácil para o profissional prometer a cura. Na década de 50 outro jurista, Aguiar Dias, reforçou esse conceito, que vem sendo usado até os dias de hoje… o reflexo taí na decisão do STJ.

O fato é que a Odontologia de 1937 e a de hoje são MUITO diferentes. Na década de 1930 ser dentista era arrancar dentes que doíam. E convenhamos: se você arrancar o dente certo, ele vai parar de doer… é um resultado realmente previsível (desconsiderando complicações pós-operatórias, é claro). Mas, hoje em dia, a (boa) Odontologia busca fazer o paciente entender o conceito da prevenção, o que DEPENDE DIRETAMENTE DA CO-PARTICIPAÇÃO  DO PACIENTE no seu próprio tratamento! A despeito disso, o STJ entende que o dentista (ortodontista, implantodontista, whatever!) é obrigado ao sucesso do tratamento mesmo que o paciente não siga as suas orientações.

E orientar não é mais suficiente… você, colega, tem que garantir que seu paciente faça o dever de casa! Você tem que se mudar pra casa dele e fazê-lo escovar os dentes após as refeições, usar o fio dental… dar um beijinho de boa noite e colocá-lo pra dormir. Porque se der perimplantite  ou se o tratamento ortodôntico não progredir porque o cidadão só aparece quando quer e com a gengiva abraçando os bráquetes, a culpa é EXCLUSIVAMENTE sua.

Hoje em dia não basta ser correto, competente e aplicar a técnica embasada em anos de estudo… você tem que ser Deus. E essa divindade compulsória se baseia num parecer de um jurista (um respeitado jurista, diga-se de passagem) que em 1937 achou que era fácil ser dentista.

Colegas, estamos caminhando numa direção perigosa, de olhos vendados e sem freio. Protejam-se mantendo os prontuários em dia, anotem tudo, guardem exames, colham a assinatura do paciente até se ele quiser ir ao banheiro… porque certamente seremos culpados se não provarmos inocência.

Só de uma coisa tenho certeza: logo logo esta categoria do blog vai deixar de se chamar Profissão: Dentista pra virar Profissão: Perigo. São McGyver olhai por nós…

Veja aqui, na íntegra, a decisão do STJ sobre a obrigação de resultado na Odontologia.

Sugestão de leitura: Da Responsabilidade Civil e Ética do Cirurgião-Dentista (acho que era bom comprar esse livro, hein?!) 😉

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