Quem entra no restaurante do chef José Caliman Neto, em Cuiabá, não imagina que no mesmo local funcionava o seu consultório de Odontologia. Com 28 anos de profissão e 50 de idade, ele decidiu abandonar a carreira de dentista e se dedicar à gastronomia. “Estou completamente realizado, eu nem me lembro que fui dentista”, diz o chef.

Chef Dentista

(Foto: Thainá Paz/ G1)

Caliman, hoje com 58 anos, comemora 3 anos e meio da abertura do restaurante, que serve pratos portugueses e italianos, além da tradicional paella espanhola. “Acredito que me encaixei tão bem dentro da gastronomia por causa da precisão da Odontologia, sou muito exigente comigo mesmo”, explica.

Ele vivia em uma zona de conforto muito tranquila na carreira de dentista. O currículo incluía especializações nos Estados Unidos, na Alemanha e doutorado na Espanha. “Mas um belo dia resolvi mudar, como diz uma música da Rita Lee. Larguei toda a zona de conforto para estudar, começar do zero”, conta.

Em 2008, ele decidiu que não exerceria mais a profissão de dentista. Segundo Caliman, a odontologia requer que o profissional fique muito tempo preso dentro do consultório ouvindo dores e problemas.

“Estava entrando em um estado de depressão. Você acaba sendo médico e psicólogo. O paciente chega com problema com os filhos e conta para você, chega com problemas com a esposa e conta para você. Eles desabafam, não veem o dentista só como profissional da Odontologia”, observa o ex-dentista.

Filho de uma espanhola, Caliman sempre observava a mãe cozinhar. Quando comunicou os pais sobre a decisão de abandonar a carreira, ela sugeriu que fizesse a faculdade de gastronomia. “Ela já sabia do meu gosto pela cozinha, mas eu hesitei em fazer faculdade aos 50 anos. Então ela me convenceu dizendo que tinha gente se formando em medicina aos 80 anos de idade. Prestei vestibular [para gastronomia] e passei”, diz.

Segundo o chef, a gastronomia sempre esteve muito presente na vida dele. Durante a faculdade de Odontologia, nos anos 70, cozinhava para os amigos na república onde vivia. “Tínhamos aula o dia inteiro e estudávamos durante a madrugada. Como não existia delivery, nem posto ou mercado 24 horas, eu ia para a cozinha quando dava fome. E passei a gostar”, conta.

Depois da formatura na faculdade de gastronomia, em Cuiabá, Caliman se mudou para Portugal, onde ficou seis meses se especializando em pratos com bacalhau. “Os portugueses ficavam apavorados quando ouviam minha história. Lá a Odontologia tem tanta importância quanto a medicina”, diz.

Quando voltou da Europa, os amigos começaram a pedir bacalhau sob encomenda. Ele cozinhou em casa durante algum tempo, até ter a ideia de montar uma cozinha profissional no lugar onde ficava a cozinha do consultório. E, então, começou a cozinhar e a entregar em domicílio aos finais de semana.

Com resultado positivo, ele decidiu doar todos os equipamentos da antiga profissão e transformar o então consultório em um pequeno restaurante. Sem arquiteto, o próprio chef decidiu as modificações necessárias no prédio. Fazem parte da decoração, também feita por ele, quadros com ampliações de cartões-postais trazidos da Europa.

“Precisei comprar desde a colherzinha de café à coifa. A manutenção de uma cozinha é cara. Eu me considero um sucesso hoje, pelo país estar passando por uma crise o e eu ainda estar sobrevivendo da minha cozinha. Todo meu caixa de 30 anos de profissão foi aplicado em estudos, capacitação e na abertura do restaurante”, explica.

Para o chef, a maior recompensa é o reconhecimento dos clientes. Ele diz se emocionar ao ouvir os elogios e as indicações que recebe dos clientes. “Um menino de 7 anos deixou um desenho meu e um bilhete em um guardanapo elogiando a comida no final de semana”, conta.

“Muita gente acha que fui louco, perguntam como tive a coragem de largar toda uma vida profissional, que joguei 30 anos fora. Eu digo que não joguei fora. Toda a bagagem profissional ainda levo comigo, mas não lembro da Odontologia, nem mesmo que aqui costumava ser meu consultório. Tive o apoio da minha família, que me disse para seguir em frente e que era bom nisso”, afirma Caliman.

De um ano para cá, com a crise, os preços dos ingredientes subiram muito, principalmente o bacalhau que é importado, e foram necessárias algumas alterações no cardápio. Além dos pratos a la carte, também são servidos pratos executivos com preços mais acessíveis.

Via G1

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