Após? Sim. Por causa de? Não necessariamente. Explico.

Entenda o caso

Graziela Cavalli, de 38 anos, sofreu um acidente vascular isquêmico no dia 3 de setembro, e estava internada no Hospital São José, em Criciúma, até ter a morte cerebral confirmada no dia 12. Segundo Fernando Cavalli, irmão da moça, “… ela havia feito um procedimento estético no rosto alguns dias atrás e vinha se queixando com dores de cabeça”. Essa é a única informação que consta sobre as circunstâncias da morte de Graziela na notícia comoção na despedida da jovem Graziela Cavalli, publicada num site de notícias locais. Não se faz qualquer correlação entre a morte e o procedimento estético.

Ah, esqueci de mencionar: o procedimento estético em questão foi um preenchimento labial com ácido hialurônico. Quem fez? Um cirurgião-dentista.

A notícia se espalha…

Algumas horas depois, outro site publicou exatamente o mesmo texto… porém com o seguinte título: Após procedimento estético no rosto, jovem morre no hospital. Lendo esse título, você achou o que? Pois é. Mas lembro que o texto é o mesmo… ainda nenhuma correlação entre a morte e o procedimento estético (com exceção da sugestão do título).

Dois dias depois da morte da empresária, começaram a pipocar artigos como esse na Internet: Cuidados ao contratar procedimentos estéticos. Neste, médicos (uma cirurgiã-plástica e uma especialista em Medicina Estética, mais especificamente) dão conselhos sobre como escolher um bom profissional para realizar preenchimentos, aplicação de botox, etc.. Segundo o artigo, “… um bom profissional deve saber a indicação correta de cada produto, ter conhecimento de anatomia, tipos de técnicas aplicadas e utilização dos produtos”.

Concordo plenamente.

Em seguida vem o gran finale: a citação da morte de Graziela, deixando bem claro que a aplicação do ácido hialurônico foi feita por um cirurgião-dentista. Novamente: nenhuma correlação entre a aplicação e a morte da empresária nesse caso em específico. Mas sei lá… fica “bem legal” colocar essa notícia no artigo, afinal o procedimento não foi feito por um médico…

Mais uma versão da notícia:

Notícia

Qual a causa da morte?

Ela fez aplicação de ácido hialurônico e teve um AVC. Mas… ela teve um AVC por causa da aplicação de ácido hialurônico? É o que, novamente, o título da notícia no recorte de jornal acima sugere (“morre após complicações”)… embora o texto não afirme isso.

Aí o CRM-SC dá a seguinte orientação: é errado procurar “outro tipo de profissional”, ou seja, alguém que não seja médico, pra fazer procedimentos estéticos como o da Graziela. E em seguida o presidente do Conselho atesta com todas as letras: “somos contra dentistas realizarem procedimentos invasivos”. Ok, o choro é livre. Eu sou contra colocar ketchup na pizza, por exemplo… mas tem quem o faça. Paciência.

Notícia

Mas dentista pode? Pode.

A questão é: cirurgiões-dentistas têm autorização pra aplicar ácido hialurônico e toxina botulínica na face! A resolução 176/2016 do CFO (Conselho Federal de Odontologia) afirma que fica autorizada: “… a utilização da toxina botulínica e dos preenchedores faciais pelo cirurgião-dentista, para fins terapêuticos funcionais e/ou estéticos, desde que não extrapole sua área anatômica de atuação. A área anatômica de atuação clínico-cirúrgica do cirurgião-dentista é superiormente ao osso hioide, até o limite do ponto násio (ossos próprios de nariz) e anteriormente ao tragus, abrangendo estruturas anexas e afins”.

Tá bem claro, né?! Não tem nenhum dentista fazendo nada ilegalmente (e se você tiver paciência, clique no link da resolução, vale a pena ver todos os motivos que embasam essa autorização).

Aí vai ter quem o diga: “poder pode, mas os dentistas não sabem fazer” ou “não são capazes de fazer” ou “não estão preparados pra fazer”. Lembra da descrição do profissional ideal lá no artigo dos “Cuidados ao contratar…”? Lá diz: “… um bom profissional deve saber a indicação correta de cada produto, ter conhecimento de anatomia, tipos de técnicas aplicadas e utilização dos produtos”.

Gente, acabaram de descrever um cirurgião-dentista! 😀

Dentistas erram sim!

Fiquei pensando… claro que dentistas erram (embora, nesse caso, nada aponte nesse sentido)… mas médicos, acertam sempre? Óbvio que não. Enquanto formos todos seres humanos, seremos passíveis de erro. Médicos também. Aí fui dar uma “fuçada” na Internet e achei o seguinte link de um caso semelhante: Morte de modelo: “Preenchimento pode causar dor e edema, jamais risco de morte. O texto conta que:

“A morte da modelo Raquel Santos, finalista do Musa do Brasil, nesta semana reabriu um debate sobre a busca pelo corpo perfeito e os procedimentos para conseguir as curvas dos sonhos. Raquel, de 28 anos, faleceu após fazer um procedimento estético de preenchimento do bigode chinês”.

Isso aconteceu em JANEIRO de 2016 (guarde essa data). Quem fez o procedimento: um cirurgião-plástico. Aí no artigo, dois outros cirurgiões-plásticos afirmam categoricamente: não foi por causa disso que Raquel morreu.

Ok. Quem sou eu pra discordar.

Mas olha só que coisa estranha: no artigo “Cuidados ao contratar procedimentos…” que eu venho citando recorrentemente, as duas médicas consultadas afirmam que:

“Alguns procedimentos médicos invasivos, aplicados de forma errônea podem até causar a morte.

Mas gente, o que é que mudou?

O QUE É QUE MUDOU DE JANEIRO DE 2016 PRA SETEMBRO DE 2017? Eu digo o que mudou: a resolução 176/2016, aquela que autoriza o uso de preenchedores faciais e botox por cirurgiões-dentistas para fins ESTÉTICOS (antes já era permitido para fins funcionais e ninguém achava ruim) é de SETEMBRO de 2016. O que mudou é que, agora que dentista também pode, a opinião médica sobre a potencial letalidade do preenchimento facial mudou. Curioso, né?!

Então, o que foi que aconteceu?

Não sei. Ninguém sabe ainda. O que provavelmente aconteceu: uma coincidência. Ou talvez o preenchimento facial “despertou” algum problema que a Graziela já tinha, do qual nem ela sabia (não podendo, portanto, informar ao seu dentista). Em resumo: pra correlacionar a morte da empresária com o procedimento realizado pelo dentista, a autópsia vai ter que mostrar alguma coisa… talvez a presença de ácido hialurônico em alguma artéria… sei lá. Mas sem isso, ela morreu de AVC, um AVC que nada teve a ver com negligência, imperícia ou imprudência de um cirurgião-dentista (e muito menos PORQUE ele é um cirurgião-dentista, e não um médico). Ponto.

Se por outro lado vier a ser provado que a culpa é do colega, que ele arque com as consequências. É justo.

Veja abaixo o parecer do Dr. Levy Nunes, cirurgião bucomaxilofacial ahuahuahua (desculpe a risada, é que lembrei que agora há pouco o presidente do CRM-SC falou que “somos contra dentistas realizarem procedimentos invasivos”, aí quando vi a especialidade ODONTOLÓGICA do Dr. Levy, sucumbi à graça do paradoxo):

Parecer Dr. Levy

Vamos continuar acompanhando o caso. Surgindo novas informações, a gente faz um update. Obrigada por ler este loooongo texto até o fim. Opine nos comentários. 😉

Leia também: Harmonização facial, preenchimento, médicos e dentistas no DicasOdonto 

UPDATE em 08/10/2017: gostaria de fazer um pequeno disclaimer, já que nem todo mundo compreendeu o viés irônico do que eu escrevi. Esclareço que:

  1. O texto não é uma defesa de que, eventualmente, um preenchimento facial não possa levar um paciente a óbito. O assunto do texto é: quando o óbito ocorre “na mão” de um dentista, mesmo sem qualquer investigação sobre o caso, alguns médicos são categóricos em afirmar que foi por causa de imperícia (negligência, imprudência). Quando o óbito ocorre “na mão” de um médico, os mesmos médicos (ou outros, enfim) são capazes de APARENTEMENTE mudar de opinião pra defender o colega. Fica óbvia a má fé (de alguns) em querer usar o caso como meio de influenciar negativamente a opinião pública sobre a atuação dos cirurgiões-dentistas na harmonização orofacial, direito que a lei assegura.
  2. Eu não usei a opinião dos médicos sobre o caso de 2016 (realizado por médico) pra afirmar “viu só, preenchimento facial não mata!”. Minha intenção não foi valorizar essa “opinião”, como se ela provasse alguma coisa… pelo contrário: meu objetivo foi mostrar que essa opinião não vale absolutamente NADA, porque não é opinião, já que não passa de defesa corporativista.
  3. Se um médico comete um erro, terá que ser punido por isso. Se um dentista comete um erro, também. A lei é pra todos. Mas o erro terá que ser comprovado, nos dois casos.

Se você entendeu algo diferente dos 3 pontos acima, entendeu errado.

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