É inegável que a Internet estreitou os laços entre o profissional de saúde e o paciente. Você, colega dentista, certamente já notou que as pessoas chegam no consultório “entendendo” de tudo um pouco… informação é o que não falta. Tem muita coisa boa, tem muita coisa péssima na Internet, mas a ideia hoje não é nem falar de conteúdo odontológico de qualidade para o paciente, e sim do uso da Internet como ponte entre o paciente e o dentista.

Acho que qualquer canal de comunicação é válido. Redes sociais, blogs, sites de clínicas e consultórios… tudo que aproxime o profissional do paciente. Mas tem algumas ~novidades~ que, confesso, pelo menos em mim, causam estranheza. A última dessas “facilidades” é a avaliação odontológica on-line. Já ouviu falar?

Funciona assim: a pessoa faz o download de um encaminhamento, assinado e com o carimbo do dentista. Depois de imprimir esse encaminhamento (para radiografia panorâmica), o paciente virtual procura a clínica de Radiologia de sua preferência e se submete ao exame. Assim que a radiografia digital (ou digitalizada, enfim) ficar pronta, a pessoa acessa novamente  o site e envia o arquivo de imagem para o dentista. Com a radiografia em mãos, o especialista avalia (!) o paciente e entra em contato pra dar o resultado da avaliação. Rápido, fácil e… peraí, como assim?

Avaliação online?

Avaliação on-line? (clique na imagem para ampliar)

Não tá faltando alguma coisa aí? Ah é… o exame clínico!

Encaminhamento para Clínica de Radiologia

Encaminhamento para Clínica de Radiologia

Não preciso me desgastar aqui pra explicar que exame puramente radiográfico não existe. Eu sou Radiologista e sofro na pele a ausência de dados clínicos pra colaborar com a interpretação radiográfica. Com uma radiografia em mãos eu posso sugerir mil hipóteses pra uma imagem e vislumbrar muitas formas diferentes de tratamento. Mas tem uma coisa que eu NUNCA posso fazer: diagnosticar. E é óbvio que o colega que está propondo esse tipo de  “avaliação” sabe disso.

Isso tudo nada mais é que uma estratégia de marketing. Uma forma de “pescar” o cliente com o chamariz da comodidade. Temos que admitir, a ideia deve estar dando certo para o objetivo a que se propõe: arrecadar pacientes. E a pessoa, já munida do exame de imagem, vai comparecer posteriormente à clínica para, finalmente, fazer a avaliação física. É só uma inversão de ordem, não? Não. Eu acho que, nesse caso, a ordem das batatas altera a maionese.

Pergunto: você tem o hábito de encaminhar TODOS os seus pacientes para uma radiografia panorâmica, independentemente do tipo de tratamento que pretende realizar? Se tem, não deveria. Exames de imagem têm indicações específicas e, a radiação ionizante, efeitos deletérios que se acumulam no organismo. Se o paciente tem problemas periodontais, certamente vai precisar de um levantamento periapical. Se a pessoa está com suspeita de cáries proximais, o ideal seria fazer radiografias interproximais. Se a ideia é fazer um implante, o exame mais indicado seria uma tomografia cone beam… ou seja: além da “panorâmica inicial arbitrária”, certamente haverá necessidade de novas exposições do paciente à radiação ionizante.

A radiografia panorâmica submete o paciente a uma baixa dose de radiação, é verdade, mas a exposição à qualquer quantidade de radiação deve passar pela peneira da relação custo-benefício para o paciente. E quem julga isso é o dentista… não é o paciente quem deve decidir por fazer um exame de raios X qualquer porque baixou um encaminhamento padrão na Internet. Taí a portaria 453/98 que não me deixa mentir!

JUSTIFICAÇÃO [da exposição à radiação ionizante] 

2.4 (…)

b) Justificação da exposição individual: 

(i) todas as exposições médicas devem ser [justificadas individualmente], tendo em conta os [objetivos específicos da exposição] e as [características do indivíduo envolvido].

(grifos meus)

Enfim, dada minha especialidade, meu maior susto com relação à avaliação odontológica on-line foi o que descrevi. Mas, sem dúvida, dá pra discutir bastante em cima da “ideia inovadora” do colega. E você, acha o quê?

Dica da leitora Simone Moreira P. Silva

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