Uma importante descoberta de pesquisadores do campus de Ribeirão Preto da USP pode revolucionar o modo de identificação do sexo de múmias e cadáveres nos estudos forenses e arqueológicos. Atualmente, isso é realizado por meio de exames de DNA ou de análise óssea. Quando o material analisado são os dentes, é preciso triturá-los em uma solução específica para identificar o DNA por meio de uma técnica denominada PCR. Porém, isso leva à destruição total da amostra dentária. Agora isso mudou graças trabalho do grupo liderado pela professora Raquel Fernanda Gerlach: eles descobriram um método não-invasivo para identificação do sexo via análise do esmalte dos dentes, que, além de preservar as amostras dentárias, dispensa o teste de DNA.
De acordo com a pesquisadora existe, no esmalte dentário, uma sequência de 8 a 15 peptídeos, que podem ser entendidos como “pedaços” de proteína. A principal proteína do esmalte, a amelogenina, é codificada tanto no cromossomo X, presente nos homens e nas mulheres, como no cromossomo Y, presente apenas nos homens. “Encontramos 23 diferenças entre a amelogenina do cromossomo Y e a do cromossomo X. Com isso, nós conseguimos identificar, nas amostras estudadas, vários peptídeos da sequência de amelogenina codificados apenas no cromossomo Y, diferenciando assim corpos de homens e de mulheres”, explica a professora Raquel.
A proteína do esmalte é o primeiro material biológico que não é DNA que permite a identificação do sexo de cadáveres e de múmias. Segundo a docente, as análises ósseas (comparação do tamanho de ossos do fêmur) apresentam um acerto de aproximadamente 90%. Já a eficácia da identificação do sexo via esmalte dentário é bem maior. Outra vantagem em relação aos métodos já existentes é que, em casos de corpos carbonizados, muitas vezes a análise via DNA pode ficar comprometida. “Mas os peptídeos não estão nos tecidos moles dentários. Eles resistem pois ficam dentro daquilo que podemos chamar de “uma rocha de granito”, informa a docente.
A coroa dentária é a parte visível dos nossos dentes. Ela é formada por uma camada de 1 a 1,5 milímetros de esmalte, que é a parte exterior do dente, estando fora da gengiva. Dentro desta capa de esmalte estão a dentina e a polpa (que formam tanto a coroa quanto a raiz do dente). “O esmalte é formado por 96% de minerais. Ele é tão mineralizado quanto o granito. Os ossos, por exemplo, apresentam 45% de mineral”, compara a docente.
Conforme os dentes permanentes vão nascendo e se desenvolvendo, eles vão ficando cheios de cálcio, fósforo e também apresentam uma grande quantidade de proteínas. Mas em um longo processo até a chegada à vida adulta, o esmalte de cada um dos dentes vai se tornando cada vez mais mineralizado. Entretanto, as proteínas não desaparecem totalmente e podem ser encontradas na proporção de cerca de 1% no esmalte dentário de um jovem adulto. “Essas informações são preservadas no esmalte ao longo dos séculos”, esclarece.
A análise foi realizada em amostras do Banco de Dentes da Forp, sendo cinco de mulheres e cinco de homens. Em cada dente foi aplicada uma solução ácida e o material liberado passou por análises em um aparelho denominado NanoLC-MS/MS, um tipo de espectrômetro de massa de tecnologia bastante avançada. “Foi esse aparelho que nos permitiu obter esses resultados”, destaca a docente, lembrando da importância da tecnologia para a realização desse tipo de projeto.
Posteriormente, os pesquisadores analisaram os dentes de duas múmias com idades entre 600 e 900 anos, encontradas na região de Durham, na Inglaterra. Os resultados confirmaram a eficácia da técnica na identificação dos sexos.
Os dados desta pesquisa estão descritos no artigo The identification of peptides by nanoLC-MS/MS from human surface tooth enamel following a simple acid etch extraction, publicado recentemente na Royal Society Chemistry – Advances.
A pesquisa foi iniciada pela pesquisadora Gabriela Molina, durante a iniciação científica, sob a orientação da professora Raquel e contou com a participação dos pesquisadores Sérgio Line, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Unicamp e do Centro de Química de Proteínas da Universidade de Pittsburgh, EUA; do professor Nicolas Stewart (Departamento de Ciências Farmacêuticas), da arqueóloga Janet Montgomery (Departamento de Arqueologia) da Universidade de Brighton, Reino Unido, e do professor João Issa (Forp).
Mais informações pelo email [email protected] ou (16) 3315 4065, com a professora Raquel Fernanda Gerlach.
Via Jornal da USP
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