Prinz (1912) já afirmava que o objetivo principal da obturação do canal radicular seria a reposição perfeita da polpa dental extinta por um material sólido, que não sofresse alterações e que fosse inerte.

Sabe-se que a não-obturação completa do canal radicular permite a infiltração de plasma, o qual serve de substrato para os microrganismos presentes no interior dos canalículos dentinários de um canal já infectado. Em canais onde a infecção ainda não ocorreu, ela poderia se dar pela via endógena, por meio da circulação.

Baseado em estudos de Grossman (1958) e Branstetter e Fraunhofer (1982), enumeram-se abaixo algumas características que os cimentos obturadores devem possuir.

Características ideais dos cimentos obturadores

  1. Deve ser pegajoso ao ser misturado, fornecendo boa adesão entre os cones e as paredes do canal
  2. Deve proporcionar uma vedação hermética
  3. Deve ser radiopaco
  4. As partículas de pó devem ser muito pequenas para serem facilmente misturadas com o líquido
  5. Não deve contrair após inserido no interior do canal
  6. Deve ser bacteriostático ou pelo menos impróprio ao crescimento microbiano
  7. Não deve manchar as estruturas dentinárias
  8. Deve ser insolúvel nos líquidos teciduais
  9. Deve ser bem tolerado pelos tecidos perirradiculares
  10. Deve ser de fácil remoção, se necessário.

Funções

  1. Eliminar a interface entre a guta-percha e as paredes do canal.
  2. Eliminar a interface entre os cones e as paredes do canal, na técnica de condensação lateral.

Tipos

  1. Cimentos à base de Óxido de Zinco-Eugenol (OZE)
  2. Cimentos Resinosos
  3. Cimentos à base de Ionômero de vidro
  4. Cimentos à base de Hidróxido de cálcio

Cimentos à base de OZE

Grossman: Fill Canal, Endofill, Proco-Sol

Pó:

  • Protóxido de zinco
  • Resina hidrogenada
  • Subcarbonato de bismuto
  • Sulfato de bário
  • Borato de sódio anidro

Líquido:

  • Eugenol
  • Óleo de amêndoas doces.

Possuem propriedades físico-químicas satisfatórias, como boa capacidade seladora, baixa permeabilidade, estabilidade dimensional adequada, devido a presença de resina hidrogenada. Baixa solubilidade, baixa desintegração e boa plasticidade, devido a presença de subcarbonato de bismuto. Apresentam um tempo de trabalho de 24 horas e um tempo de endurecimento de 40 horas.

Rickert: Kerr Pulp Canal Sealer – EUA

Pó:

Óxido de zinco
Prata precipitada
Subcarbonato de bismuto
Sulfato de bário

Líquido:

Óleo de cravo
Bálsamo do Canadá
Eugenol

É um cimento amplamente utilizado, principalmente nos EUA, e foi introduzido na Endodontia desde 1931. Possui boa estabilidade dimensional e capacidade seladora, adesão bastante satisfatória, bom escoamento, baixa solubilidade, radiopacidade elevada, baixa desintegração, além de apresentar atividade antibacteriana satisfatória. Devido a presença de prata, existe risco de escurecimento da coroa, o que pode ser compensado com uma boa limpeza da câmara pulpar com álcool após a obturação.

Um dos maiores benefícios oferecidos por este cimento é o seu tempo de endurecimento, que é de aproximadamente 1 hora, o que diminui a possibilidade de qualquer reação inflamatória no periápice, em virtude da liberação de eugenol. Seu tempo de trabalho é de 30 minutos.

Existem as versões Regular e E.W.T.(Extended Working Time), esta última com tempos de trabalho e de endurecimento um pouco maiores.

Cimentos Resinosos

AH 26 (De Trey Frerès, Suíça)

Pó:

  • Óxido de bismuto
  • Pó de prata
  • Óxido de titânio
  • Hexametilenotetramina

Resina:

  • Éter de bisfenol A diglicidil

Apresenta radiopacidade similar à da guta, possui boa estabilidade dimensional, adesividade, radiopacidade, baixa solubilidade, boa capacidade seladora e alto escoamento. Tempo de trabalho de 7 horas e tempo de endurecimento de 32 horas.

Em estudos de Pascon e cols. foram observadas reações inflamatórias quando em contato com tecidos perirradiculares, provavelmente devido a presença de formaldeído proveniente da decomposição do hexametilenotetramina.

AH PLUS (Dentsply, Suíça)

Pasta A:

  • Resina epóxica
  • Tungsteneato de cálcio
  • Óxido de Zircônio
  • Aerosil
  • Óxido de ferro

Pasta B:

  • Amina adantamantada
  • N,N-Dibencil-5-oxanonano-diamina-1,9
  • TCD-Diamina
  • Tungsteneato de cálcio
  • Óxido de zircônio
  • Aerosil
  • Óleo de silicone

Apresenta-se sob a forma de pasta/pasta, na proporção de 1:1 em volume. Apresenta boa capacidade seladora, excelente comportamento biológico e sua atividade antibacteriana é satisfatória.
Possui um tempo de trabalho de aproximadamente 4 horas a 23ºc, e endurecimento com 8 horas a 37ºc.

THERMASEAL (Tulsa Dental Plus Products, EUA)Acompanha o kit do Thermafill. Sua formulação é bastante similar à do AH 26. A proporção indicada é de 2 a 3 partes de pó para 1 de resina, em volume.O aumento de pó aumenta a radiopoacidade deste cimento. Endurecimento: 36 a 48 horas a 37ºc e em temperatura ambiente requer de 5 a 7 dias. Sua conservação exige local refrigerado e ao abrigo de luz.

SEALER PLUS (Dentsply, Brasil)

Pasta base:

  • Óxido de cálcio
  • Trióxido de bismuto
  • Estearato de cálcio
  • Resinas epóxicas
  • Óxido de ferro

Pasta catalisadora:

  • Óxido de cálcio
  • Trióxido de bismuto
  • Dióxido de titânio
  • Aerosil
  • Óleo de silicone
  • Poliaminacicloalifática

Este cimento é uma versão modificada do Sealer 26, com algumas vantagens:

  • Expansão volumétrica após a manipulação
  • Reduzida toxicidade
  • Estabilidade de cor
  • Facilidade de manipulação (pasta/pasta).

As pastas devem ser manipuladas em volumes iguais. Apresentam um tempo de trabalho de aproximadamente 2 horas a 23ºc, e a 37ºc o tempo de endurecimento é de no mínimo 4hs.

Cimentos a base de Ionômero de vidro

KETAC-ENDO (Espe, Alemanha)

Baseado em estudos comparativos, os resultados apresentados pelos cimentos a base de ionômero de vidro indicaram que o seu emprego intracanal não seria justificável como substituto de outros já predominantes. A grande aposta feita neste tipo de cimento foi aplicar as características de um bom selador que fosse capaz de vedar os canalículos dentinários com maior eficiência. Porém, vários estudos avaliaram a sua capacidade seladora de forma bastante divergente. Como exemplo, Bonetti et al. avaliaram a capacidade seladora do Ketac-Endo e do Sealer 26, quando comparados com o Fill-Canal, utilizando o azul de metileno a 2% como marcador de infiltração. O Sealer 26 apresentou o melhor selamento, seguido do Fill-Canal e do Ketac-Endo, que apresentou maior infiltração.

Cimentos contendo Hidróxido de Cálcio

Estes são cimentos que apresentam ótimas propriedades biológicas, entretanto perdem em alguns requisitos físico-químicos, uma vez que não possuem boa radiopacidade, têm pouco escoamento, não têm boa viscosidade, são permeáveis e são facilmente solubilizados com o tempo. Com isso, necessitam de associação a veículos e outras substâncias para suprimir tais deficiências.

SEALAPEX (Kerr/Sybron, EUA)

Este foi um dos primeiros cimentos endodônticos à base de hidróxido de cálcio a ser encontrado no mercado odontológico. Se apresenta na forma de pasta/pasta e tem a seguinte formulação:

Base:

  • Óxido de cálcio
  • Óxido de zinco
  • Composto à base de sulfonamida
  • Sílica

Catalisador:

  • Sulfato de bário
  • Resina polimetileno metilsalicilato
  • Dióxido de titânio
  • Sílica
  • Salicilato de isobutila
  • Pigmentos

Deve ser manipulado em partes iguais da base e do catalisador. Seu tempo de presa é de aproximadamente 2 horas a 23ºc. Segundo o fabricante, no interior do canal radicular a 37ºc com umidade relativa a 100%, a presa pode se dar em 1 hora. Clinicamente, tem sido observado que resíduos de umidade no interior do canal aceleram o endurecimento deste cimento, necessitando sempre de uma secagem rigorosa do canal antes da obturação. Devido à sua baixa radiopacidade, existe o recurso de se adicionar iodofórmio a este cimento na proporção de 3:1 (material : iodofórmio) em volume, atitude bastante contestada por alguns pesquisadores que comprovam alto grau de toxicidade desta substância.

SEALER 26 (Dentsply, Brasil)Este cimento possui composição semelhante à do AH 26, com o diferencial de que o Sealer 26 possui hidróxido de cálcio em substituição à prata em sua composição. Apresenta-se na forma de pó e resina, esta última acondicionada em uma bisnaga. Segue abaixo, sua composição básica:

Pó:

  • Hidróxido de cálcio
  • Óxido de bismuto
  • Hexametilenotetramina
  • Dióxido de titânio

Resina:

  • Éter de bisfenol A diglicidil

Este material deve ser espatulado sobre uma placa de vidro, levando o pó gradativamente à resina, até que se obtenha uma mistura lisa e homogênea. A proporção ideal é de aproximadamente 2 a 3 partes de pó para uma de resina, por volume. Aumentando-se a proporção, pode-se obter melhora da radiopacidade deste cimento. Sua presa final se dá por volta de 48 a 60 horas em temperatura ambiente e, no interior do canal, pode endurecer em aproximadamente 12 horas. Pode-se aumentar sua fluidez, aquecendo-o com cuidado na placa de vidro, após espatulado, a uma distância de 10 a 15 cm de uma chama.

O seu endurecimento se deve à reação entre a resina e a hexametilenotetramina, o agente ativador. O hidróxido de cálcio não participa da reação de presa deste cimento.

APEXIT (Vivadent, Liechtenstein)

Este material apresenta-se no sistema pasta/pasta e o mecanismo de presa é bastante similar ao do Sealapex, por meio do salicilato de cálcio. A sua composição básica é a seguinte:

Base:

  • Hidróxido de cálcio
  • Colofônia hidrogenada
  • Dióxido de silício
  • Óxido de cálcio
  • Óxido de zinco
  • Fosfato tricálcico
  • Polimetilsiloxano
  • Estearato de zinco

Catalisador:

  • Salicilato de trimetil-hexanodiol
  • Carbonato de bismuto
  • Óxido de bismuto
  • Dióxido de silício
  • Salicilato de 1-3 butanodiol
  • Colofônia hidrogenada
  • Fosfato tricálcico
  • Estearato de zinco

Este material deve ser manipulado em volumes iguais de base e catalisador, por 10 a 20 segundos, até que se obtenha uma massa homogênea. O seu endurecimento no interior do canal, que deve estar sempre devidamente seco, ocorre entre 10 a 30 horas. A presença de umidade acelera a sua presa.

Considerações finais

Dentre as funções e propriedades dos materiais obturadores disponíveis hoje no mercado, temos amplas condições de atuação na terapia endodôntica, em busca do sucesso clínico. Seguindo-se uma tendência mundial na prática da obturação do sistema de canais radiculares, utilizando técnicas automatizadas de condensação vertical da guta-percha termoplastificada, devemos adotar o bom senso na eleição do material adequado.

Mediante um vasto arsenal de cimentos endodônticos, não parece sensato que façamos opção por algum deles, levando em consideração apenas as suas propriedades biológicas em detrimento de outras como sua capacidade de vedamento tridimensional e radiopacidade adequada.

Até o momento, nenhum material obturador conseguiu atingir todas as prerrogativas para ser considerado ideal, mas apenas para mencionar um exemplo, a maioria dos grandes endodontistas (principalmente os americanos), têm preferência pelo cimento endodôntico Kerr Pulp Canal Sealer, pois apresenta alguns componentes em sua formulação que são essenciais para propiciar alto escoamento, boa adesividade, ótima radiopacidade, dentre outros.

Quanto aos seus dois componentes considerados desfavoráveis, a prata e o eugenol, medidas simples de precaução como a limpeza da câmara pulpar após a obturação e a correta manipulação deste cimento, garantem a sua escolha com segurança, uma vez que seu grande diferencial é o seu tempo de trabalho de 30 minutos e endurecimento em apenas 1 hora, inviabilizando a indesejável liberação de eugenol na região periapical.

Assim sendo, a opção pelo melhor material obturador depende diretamente da técnica empregada e da linha de pensamento do profissional, que certamente busca sempre resultados clínicos satisfatórios.

Referências:

Cohen, S. & Burns, R.C. Pathways of the pulp.St Louis, Mosby,1976
De Deus, Q.D. Endodontia, Rio de Janeiro, Medsi, 1986
Lopes, H.P. & Siqueira Jr, J.F., Endodontia-Biologia e Técnica, Rio de Janeiro, Medsi, 1999

Compartilhe:

Comentários via Facebook