Acabo de chegar em casa depois de um dia exaustivo de trabalho.

Nós precisamos de Cuidados!

Mesmo alongando o corpo entre um paciente e outro, minhas costas queimam. Fui ao ortopedista e descobri um desvio da vértebra C3, que resultada na dormência na minha mão direita. Ah, quase me esqueço: tendinite no punho direito e uma tendência a desenvolvimento de Busrite no ombro esquerdo (isso porque bursite é um quadro clínico comum em pessoas de idade avançada – e eu só tenho 29 anos). Voltando no carro com meu noivo, aumentei o volume do som. Na hora, ele me questionou se não estava ouvindo. Parei e refleti: estou ficando surda também.

Nós dentistas cuidamos da saúde de um monte de gente. Mas me respondam: quem cuida do Dentista?

Trabalhamos, sem dúvida, mais de 10h por dia e, dessas 10h, nem sempre 1h completa e tranquila de almoço (tendo em vista que os pacientes não deixam, que temos problemas a serem resolvidos e que, na grande parte das vezes, quando estamos com pressa é justamente o dia em que tudo parece andar em câmera lenta).

Um trabalhador com carteira assinada cumpre, por lei, 8h diárias de trabalho (40 horas semanais) mais 4h relativas ao meio período de sábado. Logo, são 44 horas semanais, com direitos como férias remuneradas, 13º salário, recolhimento de INSS e FGTS (fora aqueles que ainda possuem benefícios como plano de saúde, vale transporte, vale alimentação/refeição). E a Odontologia? O que nossa Classe recebe?

Infelizmente nada.

Não sei (e desde já peço desculpas pela ignorância) que Lei assegura o profissional autônomo no exercício de suas funções.

Vamos analisar: pagamos todos os impostos que regularizam a situação do nosso consultório diante do município onde exercemos nosso trabalho. Pagamos a anuidade do Conselho Regional de Odontologia, orgão que fiscaliza nossa profissão. Se temos funcionários, cumprimos com o pagamento dos encargos (e, se não o fazemos, estamos ciente de ações trabalhistas e, principalmente, de que vamos perder essa briga, já que a Justiça bate o martelo para o empregado quase que 100% das vezes). Investimos em equipamentos (caros), em materiais de consumo (grande parte descartáveis e indispensáveis ao trabalho), fora os gastos fixos que temos, como água, luz, telefone, aluguel, condomínio. Temos que rebolar para transformar obrigação de resultado em obrigação de meio, em virtude da quantidade de processos sofridos por colegas. E daí em diante, podemos passar um bom tempo enumerando nossos Deveres.

Mas e os Direitos?

Estamos expostos a produtos tóxicos, excesso de ruídos, riscos de acidente de trabalho com material biológico infectado, ambiente insalubre. Só tem adicional de insalubridade os profissionais que possuem carteira assinada. E os autônomos como eu e muitos de vocês? Felizes daqueles que conseguem um emprego que permita o reconhecimento como trabalhador diante das Leis Trabalhistas – seja por meio de Concursos Públicos, seja por contratações em Instituições, seja lecionando em uma Universidade. O grande lance é: ter um extra! Só consultório não dá!

Se nos deixarmos levar pelos pensamentos, logo escorre uma lágrima. E, também, constata-se um fato: não podemos adoecer. Não nos é garantido o recebimento de honorários caso nos afastemos por doenças (sejam elas ocupacionais ou não).

Eu não tenho filhos. Fico pensando nos colegas que tem e que querem dar um bom estudo, boa alimentação, boas roupas, enfim, uma boa vida para aquele que amam! Como pagar plano de saúde, escola, material escolar, matrícula, curso de inglês, balé, natação e lazer sendo que não temos um salário fixo? Realmente os filhos de dentistas devem ver os pais como super heróis!

A questão dos convênios tem um ponto “menos” negativo, por assim dizer – ali nós temos um recolhimento de INSS. O que já ajuda para uma ridícula aposentadoria ou “afastamento” do trabalho. Mas, no caso de uma Previdência Privada, lá vamos nós colocar a mão no bolso e gastar pensando num futuro que nem podemos dizer que vamos usufruir. E gastar mais um pouco, para termos um seguro que nos ajude num momento onde o corpo ameaçar parar.

Sempre ouvi que “devemos reservar uma porcentagem X do nosso salário para eventuais despesas“. Mas o dentista nunca sabe qual é esse X! Nossos materiais sofrem reajustes de acordo com moedas estrangeiras. Os convênios não reajustam as tabelas de honorários e, quando não atendemos convênios, não podemos contar que receberemos 100% dos valores que os pacientes particulares nos devem. E, nem sempre, sabemos repassar ao paciente os gastos que temos no tratamento dele. A verdade é que o dentista não sabe cobrar pelos serviços prestados! E, na maioria das vezes, pagamos pra trabalhar (cientes ou não disso). 

Tudo tem um reajuste anual: aluguel, taxa de juros, salário mínimo, inflação de um modo geral. A cada dia que passa, enquanto dormimos, alguém pensa em criar algum imposto ou taxa que tire nosso dinheiro da nossa conta bancária (isso, claro, quando a própria Instituição Financeira não se encarrega de fazer graça com o dinheiro alheio né?) 

Eu, sinceramente, gostaria de saber quem ampara nossos direitos? Há legislação vigente nesse aspecto? O Conselho Federal de Odontologia, juntamente com os Sindicatos, tem alguma obrigação quanto a isso? Que representatividade tem a nossa profissão? Que meios temos de exigir nossos direitos?

Durante o desabafo, tomei 2 comprimidos de relaxante muscular. Já chequei minha agenda e, se ninguém faltar 17 pessoas passarão pelas minhas mãos cansadas amanhã (lógico que desconsiderando qualquer tipo de intercorrência e eventuais encaixes de emergência). Muito provavelmente, se ninguém faltar às consultas, sairei por volta de 21h.

E assim vão os dias…

Vi que a situação está ruim quando calculei o que terei que desembolsar para “manter” minha coluna no lugar com Pilates e RPG – cerca de R$500,00 mensais.

Acho que todo Dentista, nesse momento, quer um colo, uma massagem, uns dias de férias. Somos seres humanos. Não somos máquinas. Uma hora, tudo isso pifa. Pode apostar…

 

Segue um depoimento de uma Colega… (indignada tb)

“Hj trabalhei literalmente 11 hs seguidas, sem parada pra almoço. Ai vocês irão pensar: Mas nós (dentistas), podemos tirar dias de folga, ou fazer horário do jeito q bem entender. Acha mesmo? A pressão dos pacientes é intensa, a responsabilidade que temos em nossas mãos idem. Infelizmente não podemos errar. Mas errar não é humano? Não, para nós esse ditado popular não funciona tão bem. Corremos o risco eminente de qualquer paciente nos processar, principalmente com a facilidade de hoje. Sem sequer nos procurar. Então, lá se vão mais gastos, estresse, prontuários, rx comprovatórios, tempo de trabalho perdido, E ai? Ganhamos o processo? Sim, mas e tudo pelo que passamos? Isso tem algum preço?

Semana passada minha secretária reclamou que estava muito sobrecarregada. Pensei: Ela tem férias de 30 dias, não precisa trabalhar domingos e feriados, nós temos q atender a qualquer hora um paciente com dor, trabalha 8 hs por dia, para 2 hs para almoçar, recebe seu 13 salário, e se faltar e trazer atestado, ela recebe pelo dia, ou pelos dias ausentes… Ela tem carteira assinada, todos os tributos devidos são pagos ,não são poucos, e se ela sair ou ser despedida e for procurar os “direitos” , como elas dizem. Te digo: elas ainda conseguem arrancar ainda mais…E haja horas extras nossas para pagar, mais contas extras sem pesar no orçamento. E nós? Se nos acontecer algo quem nos protege? Só Santa Apolônia. Aquele INSS miserável, ou um seguro pago por nós. Infelizmente não consigo ver qualquer entidade como CRO, ou CFO, nos proteger, mas somos obrigados a pagar uma anuidade salgada. Estamos largados, soltos, a deriva, perdidos, pelo menos é assim que me sinto, não existe um piso para nossos honorários, eles são estabelecidos pelos convênios, por administradores de empresa, não sabem absolutamente nada sobre nossa profissão, ainda por cima não são reajustados a quanto tempo? Anos. Todos os anos, o salário mínimo é reajustado, e nossos honorários?? Insalubridade, recebemos por isso? Materiais odontológicos cada mês mais caros, sem falar de outros gastos, como luz, água, impostos abusivos… Me sinto sozinha, não há com quem reclamar ou a quem pedir ou recorrer. Amo minha profissão, mas estou desiludida pela forma como somos tratados. Um dia desses um médico amigo, e paciente se surpeendeu ao me ver receitando uma medicação, ele falou surpreso: Ué, você pode receitar? Eu ri. Resumo somos rebaixados a escória da Saúde. Desculpem mas isso foi um desabafo de uma cidadã  que se vê negligenciada pelas autoridades. Muitas obrigações e poucos direitos.”

(Dra. Carolina Leonardo Cunha)

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