Câncer é a denominação de um conjunto de doenças que possuem como característica um desordenado crescimento celular num determinado tecido ou órgão, podendo se espalhar para outras regiões do corpo (metástase). A multiplicação celular desordenada determina a formação dos tumores (ou neoplasias malignas). Deve-se atentar para o fato de que a denominação “tumor” nem sempre estar relacionada à malignidade. Inúmeras características são avaliadas para a classificação “maligna” ou “benigna”, mas ambas referem-se à multiplicação celular desorganizada.
De acordo com a origem celular, podem ser classificados como carcinomas (quando de origem epitelial), sarcomas (de origem conjuntiva) e os tumores líquidos, como é o caso da leucemia.
A Organização Mundial de Saúde caracteriza o câncer como um problema de saúde pública, devido ao grande crescimento no número de casos e, também, ao fato da assistência aos pacientes portadores da doença ser oneroso, em virtude dos custos relativos à prevenção, diagnóstico e tratamento.
As neoplasias malignas constituem a segunda maior causa de morte no Brasil e, de acordo com o sexo do paciente, temos o câncer de próstata, traqueia, brônquios e pulmão os de maior incidência nos homens e o câncer de mama e colo de útero nas mulheres.
Atualmente, três terapias são utilizadas para o tratamento das neoplasias malignas: quimioterapia, radioterapia e intervenção cirúrgica. A quimioterapia e a radioterapia agem pela destruição/inibição do crescimento celular, enquanto que a cirurgia é específica para o tecido. Por ter ação não somente nas células neoplásicas (ou seja, por agirem em células normais do organismo), a radioterapia e a quimioterapia produzem efeitos colaterais na cavidade bucal. Os fatores que estão diretamente relacionados à frequência do desenvolvimento das alterações bucais são: o paciente (idade, tipo de câncer e condição bucal) e o tipo de terapia (tipo de droga utilizada, dose, frequência e se há a combinação de terapias diferentes).
Visando a melhora do quadro de saúde do paciente e otimização do tratamento como um todo, a presença do Cirurgião Dentista é fundamental para auxiliar no diagnóstico e tratamento das alterações bucais dos pacientes com câncer, em ação conjunta com o Oncologista, Nutricionista e outras especialidades.
Quarenta por cento dos pacientes submetidos à quimioterapia desenvolvem algum tipo de alteração bucal em virtude do tratamento.
A Mucosite é uma inflamação e ulceração da mucosa oral, geralmente dolorosa, que se inicia de 3 a 7 dias após o início da quimioterapia. O paciente relata queimação, maior sensibilidade a alimentos quentes e condimentados, áreas de descamação que podem evoluir para lesões ulceradas dolorosas, influenciando na nutrição do paciente. A má nutrição e hidratação devido à dor produzida pela mucosite interferem na regeneração celular. A região do palato mole, bochecha, lábios e a superfície ventral da língua são as mais acometidas. A lesão costuma desaparecer sem cicatrizes, caso não haja complicação importante por infecções secundárias ou xerostomia. O tratamento inclui o uso de soluções isotônicas, anti-inflamatórios, antimicrobianos e laserterapia.
A Xerostomia é uma alteração transitória que cessa após o término do tratamento. Trata-se da diminuição do fluxo salivar associado a mudanças de características da saliva produzida, que se torna mais viscosa e com menos ação de tamponamento. As alterações salivares influenciam o paladar, deglutição e a fala, além de ser um fator importante no desenvolvimento de lesões de cárie. Para o tratamento, temos o uso de saliva artificial, sialogogos (medicamentos administrados por via oral que aumentam a produção de saliva e estimulam o tecido glandular) e chicletes sem açúcar.
A neurotoxicidade decorre do uso de alcaloides vegetais envolvendo nervos bucais, causando dor aguda local o generalizada, sem sinais clínicos de cárie, doença periodontal ou qualquer outro tipo de infecção e que pode desencadear necrose pulpar e evolução para um abscesso dento-alveolar.
Em relação à estomatoxicidade, condições de má higiene oral são consideradas de risco para o desenvolvimento de infecções: acúmulo de placa, cálculo salivar, raízes residuais, cárie, doença periodontal, problemas endodônticos, aparelhos ortodônticos, próteses mal adaptadas, etc. Condições assim favorecem a proliferação de fungos e bactérias e facilita a instalação de doenças secundárias devido à imunossupressão ou neutropenia. Como a condição do paciente em tratamento é delicada, as reações às infecções podem ser mascaradas e, quando diagnosticadas, estarem associadas a quadros clínicos de infecções crônicas.
Infecções fúngicas causada pela Candida albicans são comuns devido à imunossupressão do paciente. Dependendo da gravidade, a infecção fúngica deixa de ser local e estende-se ao esôfago e pulmões e, em casos graves, produz sepsis generalizada pela disseminação hematogênica. Em alguns casos, considera-se a terapia anti-fúngica sistêmica para combater a infecção. Também, não raro, os pacientes imunossuprimidos desenvolvem infecções virais pelo vírus do herpes simples ou herpes zoster.
A trombocitopenia é um efeito colateral frequente e o profissional deve estar atendo aos sangramentos gengivais e submucosos (espontâneo ou por trauma).
No caso de pacientes infantis com câncer, podem ocorrer alterações dentárias durante a odontogênese, o que promove encurtamento da raiz dos dentes, diminuição do tamanho da coroa dental, hipoplasia e hipocalcificação do esmalte.
Para os pacientes submetidos à radioterapia, as alterações são restritas aos tecidos irradiados. No caso ocorra na região de cabeça e pescoço, além das alterações citadas anteriormente, temos o trismo muscular (diminuição da abertura de boca), devido ao edema e destruição das fibras musculares. Porém, a alteração mais severa em virtude da radioterapia é a osteorradionecrose, quadro onde a radiação ionizante diminui o fluxo sanguíneo na região irradiada, diminuindo a resistência do osso a trauma e aumentando a suscetibilidade a infecções.
O dentista tem um papel fundamental no trabalho que antecede o começo do tratamento anti-neoplásico. Para que o tratamento com quimioterapia e/ou radioterapia comece sem riscos de infecção e visando melhorar a qualidade de vida do paciente, um tratamento odontológico urgencial deve ser realizado.
- Remoção de focos de infecção e adequação de meio bucal: exodontias, tratamento periodontal e endodôntico, remoção de cárie e selamento de cavidades;
- Educação em saúde para o paciente e responsáveis;
- Aplicação tópica de flúor;
- Bochechos com clorexidina são indicados, desde que com soluções sem álcool para preservação da mucosa bucal;
- Orientação de dieta pobre em sacarose para evitar o aparecimento de lesões de cárie;
- Eliminar qualquer fonte de potencial irritação e acúmulo de placa: aparelhos ortodônticos, bandas ortodônticas, próteses mal adaptadas, grampos quebrados, etc.
- Consultas de avaliação em menor espaço de tempo: a cada 6 ou 8 semanas
Os pacientes oncológicos devem receber orientações em saúde bucal e o profissional estar incluído na equipe de tratamento para manter o paciente em ótimas condições de higiene, melhorando a saúde e possibilitando melhor aproveitamento das terapias propostas. Equipe multidisciplinar e atendimento integrado visando melhor qualidade de vida do paciente.
Fico é horrorizada é com a falta de informação de “profissionais” , não há problemas em realizar exodontia em pacientes após radioterapia? Como assim?! E a osteonecrose? Meu Deusssss ……
Sou Cirurgiã Bucomaxilofacial, com formação com ênfase em Oncologia. Trabalho em grande maioria com pacientes oncológicos pré, durante e pós tratamento, tanto cirúrgico, de radio ou quimioterapia. Existe um grande mito de que os efeitos da Radioterapia desaparecem depois de X anos, como foi citado aqui. Isso não é correto, todo tecido irradiado, principalmente o ósseo, carrega para o resto da vida as consequências da Radioterapia, e apesar de cada pessoa reagir de uma maneira e cada tratamento ser diferente do outro, é assim que temos que visualizar os pacientes quando chegam em nossos consultórios. Por isso, não indicamos exodontias nas regiões irradiadas, de modo geral. É preciso uma análise do campo de radiação, dose de radiação que o tecido sofreu e, também, pesar os riscos tanto de deixar um dente com infecção quanto remover um dente e correr o risco de que não feche mais a região, podendo evoluir pra uma osteorradionecrose. Por isso, concordo com a colega Marina, que não se sentindo segura, foi procurar saber mais sobre o assunto e também encaminhou o paciente para quem tivesse mais prática no manejo. A exodontia de um elemento não é o único tratamento disponível, existem vários e um profissional especializado na área pode tanto orientar qual o melhor pro caso e como fazê-lo, ou até mesmo fazer o procedimento se assim o dentista que o encaminhou solicitar. Trabalhamos em conjunto, orientando e auxiliando sempre pensando no melhor que podemos dar pros nossos pacientes.
Ótimo post!!
É preocupante a falta de conhecimento dos oncologistas em relação às sequelas na cavidade oral do paciente, eu atendi recentemente na clínica da graduação um paciente 1 ano após a última radioterapia (na região de cabeça e pescoço) com indicação para exodontia do 16. Como para mim era um caso muito novo fui consultar toda a literatura sobre os efeitos do tto e conversando com meu orientador da clínica disse que não sentia segurança para realizar o procedimento cirúrgico (exodontia do 16, 31 e 41) e ele disse que não havia problemas, então procurei o professor da disciplina de cirurgia, passei o caso e ele disse que o tempo mínimo seria de cinco anos e deveríamos adiar ao máximo o procedimento, resolvemos pedir o parecer da oncologista, pois não sabíamos a quantidade de radiação nem dados técnicos do tratamento. Ela simplesmente disse que o procedimento poderia ser realizado sem nenhum problema, não restringiu anestésico, tempo cirúrgico, nada…. Ainda assim não me senti segura encaminhei o paciente para a clínica(disciplina) de pacientes especiais. Hoje foi realizada a terapia endodôntica, prescrição de saliva artificial, e um tratamento paliativo, pois ha muitas sequelas da radioterapia. Fico assustada com a falta de “humanização” ou, sendo mais realista falta de preparo dos profissionais com esses pacientes.