Na semana passada concluí minha especialização em Radiologia Odontológica e Imaginologia. Finalmente tenho visão de Raios X ;)! Gostaria de compartilhar com vocês meu discurso, como oradora da turma: 

Finalmente o dia chegou, e estou certa que vocês vão concordar comigo: o tempo voa. Em novembro de 2011 nos encontramos pela primeira vez, ainda na antiga salinha de Radiologia da ABO, pra então começarmos a explorar um mundo novo, colorido em tons de cinza. Não os tons de cinza que andam na moda, que fique claro. 😉

A partir daquele dia começamos a enxergar radiografias e tomografias com outros olhos… os olhos de quem, espera-se, precisa entender delas. Não só das informações que as imagens trazem, mas de como obtê-las com excelência. E o mais importante: do ser humano que está impresso na película. Sim, nossos pacientes não são exames de imagem… eles são pessoas. E aí surge uma dificuldade inerente à nossa especialidade: muitas vezes não somos informados sobre dados clínicos, anamnese e etc., o que pode tornar a nossa realidade bastante angustiante. Bom, ninguém disse que ser radiologista era fácil!

Radiologia

Se pacientes são pessoas, é essencial ressaltar a importância de considerarmos o paciente mais do que uma imagem: gostaria de contar uma pequena história, o relato de um dentista que foi publicado há alguns anos no New York Times.

* * *

Foi a primeira vez que me encontrei com Cynthia. Ela estava impecavelmente vestida num terno azul com um discreto broche no colarinho – uma mulher que claramente cuidava de si mesma. Ela disse que apenas queria uma limpeza dentária e veio ao meu consultório porque precisava trocar o dentista que havia frequentado regularmente por 10 anos. Como parte da conversa padrão com novos pacientes fiz várias perguntas e expliquei a necessidade de uma avaliação adequada, incluindo radiografias.

Ela foi bastante clara, segundo me recordo: Raios X? De jeito nenhum!

Em 28 anos de prática geral, eu havia presenciado a gama completa de reações à cadeira do dentista. A experiência pessoal tem um grande papel. Assim como as histórias de amigos e familiares, e as piadas do tipo eu preferiria fazer um tratamento de canal a me submeter a tal coisa. A internet pode fornecer conhecimento suficiente para ser perigoso, como diz o clichê, e o medo irracional que muitas vezes acompanha uma visita ao dentista dá às pessoas a motivação para serem insistentes, até mesmo desafiadoras, em relação a um tratamento que pode não ser apropriado.

Se eu faço o que eles querem, me arrisco a deixar algo passar ou tomar decisões erradas de tratamento. Se fizer o que é certo, me arrisco a perder um paciente que precisa de ajuda.

Expliquei à Cynthia minha filosofia de que, para um dentista ver um novo paciente, um exame completo é a base de um bom tratamento. Perguntei quando ela havia tirado radiografias dentais pela última vez. Ela me olhou suspeitosamente e disse: Me lembro perfeitamente porque foi um dia antes do 11 de setembro.  Três anos atrás! – exclamei – Acho que você está devendo.

Aquilo não foi o suficiente pra Cynthia. Falamos mais 15 minutos sobre Raios X,  os sistemas modernos e digitais, a quantidade mínima de radiação à qual ela seria exposta, a natureza rápida e indolor da coisa toda. Eu só quero meus dentes limpos, implorou ela.

Era realmente incompreensível. Aqui estava uma pessoa instruída, que sabia ter um problema (ela relatava mau hálito) e não queria nem mesmo considerar o nível mais básico de tratamento.

Eu não queria perdê-la como paciente, mas não podia ceder.  Disse a ela que não podia ignorar a possibilidade de doenças ocultas. Para tratá-la, eu precisava de radiografias.  Certo, ela disse, finalmente. Faça os seus malditos Raios X!

E foi feito o tratamento. Como descobrimos, seu mau hálito era causado por cáries grandes entre dois dentes.

Foi somente após a finalização do tratamento que Cynthia me confidenciou a razão pela qual havia lutado tanto contra os Raios X. Sua mãe, disse ela, havia morrido de câncer, causado, supostamente, por um tratamento radioterápico feito ainda na infância.

Conversamos de novo sobre radiação, e a diferença entre doses de radiação diagnóstica e terapêutica. No início dos anos 50 – eu contei a ela – as doses eram centenas de milhares de vezes as utilizadas hoje; ainda não havia provas suficientes dos perigos da radiação.

Cynthia acabou aceitando a ideia de que os Raios X são uma ferramenta útil e segura. E eu fui lembrado de que, numa profissão onde a apreensão é frequentemente o ponto inicial de um relacionamento profissional-paciente, o questionário padrão nunca irá fundo o suficiente. Perguntar sobre o uso do fio dental não levará embora os temores que apontam a eventos de 60 anos atrás. Em nossa psicologia de poltrona de dentista, esperamos eventualmente chegar a esse nível. Enquanto isso, seguimos limpando, abrindo cavidades e insistindo nos Raios X.

* * *

Essa história me fez pensar, além do aspecto humano, é claro, sobre a responsabilidade que temos, como profissionais de Radiologia, em informar. As pessoas têm medo dos Raios X! E pasmem: muitos dos nossos colegas, cirurgiões-dentistas, não conhecem nada muito além do aspecto técnico, de como “tirar” uma radiografia. No meu blog, num texto específico sobre o assunto, recebo diariamente pedidos de ajuda desesperados (mesmo) de leitoras com a história recorrente: Fiz radiografias no dentista e logo depois descobri que estava grávida… meu bebê vai nascer com problema?. Ainda: Sou dentista e faço radiografias periapicais diariamente, vou ter que parar de trabalhar? Não quero entrar no mérito da formação que as Faculdades e Universidades têm oferecido, mas esse tipo de pergunta, confesso, me intriga.

No caso do leigo, a ansiedade é compreensível… não há obrigação nele de saber absolutamente nada de Radiologia. E é aí que nós entramos… orientando, protegendo, dissipando o medo e, por que não, ensinando. Porque o paciente que senta em nossas cadeiras temendo pelos efeitos nocivos dos “terríveis” Raios X é, muitas vezes, o mesmo que acha que não precisa usar protetor solar porque a pele acostuma. Mas se eu pudesse dar só um conselho sobre o futuro seria este: usem o filtro solar! 😉

Não se enganem, colegas… a nossa vida não vai ser fácil. As pessoas não esperam, apenas, que “entendamos de Raios X”. Elas esperam que os dominemos, e até mais: que tenhamos visão de Raios X. Não será incomum nas nossas vidas que surjam colegas e pacientes com radiografias em mãos querendo um parecer nosso: O que é que é isso aqui???. E em meio a várias sugestões eles se irritem: Puxa vida, decida!. E aí, pacientemente iremos explicar que imagens não decidem nada, que elas são um auxílio, mas não fecham diagnóstico. Então, ainda por cima, teremos que ouvir a recorrente piadinha: bom é ser radiologista, que não precisa ter certeza de nada! Mas não se aflijam… é pura inveja. 😀

Enfim, mais uma etapa concluída. Agora somos especialistas e sabemos TUDO sobre Radiologia, certo? Quem dera. É agora que o trabalho começa e o estudo não para. Independentemente do rumo que as nossas vidas tomem a partir desse momento, o “bichinho” da Radiologia Odontológica nos mordeu. Nunca mais veremos uma radiografia com os mesmos olhos. Ainda bem.

Muito obrigada.

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