Não raro vemos anúncios sobre oportunidades de empregos na nossa profissão, ainda mais agora com a facilidade e rapidez da propagação de informação que as redes sociais proporcionam. Muitos grupos oferecendo moradia e outros benefícios bem como salário fixo para que Dentistas trabalhem nas clínicas.

Que problema há nisso?

Não haveria problema se a grande maioria das “contratações” não caracterizasse exploração da mão de obra, principalmente de recém-formados.

Se você Colega se vê nessa situação, reflita sobre a diferença entre a Odontologia que você idealizou e a Odontologia que você está exercendo. Aos acadêmicos fica a orientação: “Nem tudo que reluz é ouro”.

Geralmente os anúncios enfatizam a estrutura já montada, uma carteira grande de clientes e alto giro no consultório. Além, claro, dos “benefícios” financeiros ao se trabalhar no local. Quem hoje em dia não quer um salário fixo sem ter gastos com o empreendimento?

Eu digo que essa realidade, na Odontologia, só pode ser conquistada quando você é aprovado em concursos públicos. O consultório particular requer constantes investimentos, sejam eles relacionados às melhorias na estrutura física, aquisição de novos equipamentos, contratação de funcionários, pagamento de impostos, atualização profissional e compra de materiais de consumo. Os gastos que a Odontologia impõe ao profissional são grandes e, na maioria das vezes, demora-se muito tempo para que tenhamos retorno do investimento realizado.

O que vemos hoje é a disseminação de clínicas populares por todo o Brasil. Sabe-se que o Sistema Público de Saúde não é capaz de absorver a demanda de pacientes e que nem todos os procedimentos necessários são realizados pelo SUS, infelizmente. A isso somamos os elevados custos dos tratamentos particulares, justificados por tudo que foi dito acima, além (claro) do preço individual da mão de obra do Dentista.

Com preços praticamente impossíveis de serem cobertos e, na maioria das vezes, com contratos internos de fidelização do paciente por um preço ridículo, tais locais se propõe a atender pacientes numa escala quase que industrial: grande volume de atendimentos diários, diminuição do custo de materiais e, obviamente, um salário aquém do ideal para o profissional que se dispõe a trabalhar nesse esquema.

Veja bem, eu disse que os profissionais que aceitam trabalhar nesse esquema. E aí atingimos o objetivo desse post – procurar entender o motivo que leva um colega, que investiu muito na graduação, a se submeter a esse tipo de trabalho.

Muitas clínicas fazem reaproveitamento de materiais descartáveis, como luvas, tubetes de anestésicos, agulhas, fio de sutura, etc, etc, etc. A grande maioria não tem preocupação com a esterilização de materiais e biossegurança para atendimento dos pacientes. Além da proteção dos clientes, pouco se importam com a proteção individual do Dentista.

Sabe-se que muitos estabelecimentos assim fazem um “contrato” com o profissional, se esquivando de qualquer responsabilidade com o paciente, colocando nas costas do Dentista qualquer problema que ocorra.

O Dentista, geralmente, não precisa contribuir com materiais. A própria clínica fornece. E muitos são os casos de materiais odontológicos vencidos sendo utilizados na boca das pessoas que procuram aquele estabelecimento para cuidar da saúde bucal.

Situação do equipamento de esterilização

Situação do equipamento de esterilização

Veja alguns relatos de colegas que trabalharam nesses locais:

“Na proposta de tirar no mínimo 3.500,00 vim e mal sabia oq me esperava! Uma Dra q reciclava tudo, me fazia de gato e sapato até o dia q me mandou embora!!! Eu cheguei a gravar tudo de errado que havia na clinica! Tive q sair da casa dela em questão de dias… Passei um tormento, mas hoje graças a Deus estou em uma clínica bem melhor!”

“1500 fixos, sem ajuda de alimentação, nem transporte.. Trabalhando todos os dias, pacientes de 15 em 15 minutos. O grande vilão dessa clinica, é o famoso “planinho”.. O paciente paga 20 reais por mês, fecha contrato de 18 meses e faz tratamento de canal, extrações, restaurações.. Enfim, tratamento completo!”

“Atendia pacientes de meia em meia hora , ganhava por dia, uma quantia e a dona super faturava em cima de mim. Até um dia os pacientes da clinica começaram a sempre pedir por mim, comecei a me destacar. Em vez de minha chefe agradecer a Deus por isso, pois estava dando lucro a ela, não! Ela chegou a pagar uma amiga dela para ir falar mau do meu serviço, colocou álcool na placa mãe do meu notebook, colocava agua quente nas minhas plantas que eu tinha no consultório. Em fim uma louca total. Sem escrúpulos, comecei a observar uma odontologia arrepiante da parte dela.”

“O que acontece é que para você trabalhar para eles, é necessário que você assine falsos contratos onde você e mais dois colegas “contratam” a empresa deles para administrar e fornecer staff para a sua clínica, dando é claro, uma porcentagem absurda para eles e você ganhando, na época em que eu trabalhava, 25% da sua produção.
A responsabilidade de tudo era nossa.
Nós tínhamos direito a duas caixas de luvas por mês. Sutura com fio dental. Exodontia com algodão e não gaze. Raio X custava 10 reais, exodontia 5.
Esterilização era piada. Nos atendíamos mais de 20 pacientes por dia com, pasmem, 3 (três) bandejas clínicas. O material de cirurgia ia para uma estufa, mas nem completava o ciclo.
Eu via colegas com as luvas calçadas após atender os pacientes, continuarem com as mesmas e lavar as mãos com as luva calçadas para atender o próximo.

Lógico que há exceções e que alguns lugares possuem uma estrutura física boa para atendimento clínico. O que se questiona, nesses casos, é a remuneração dos dentistas.

Trabalhar com esquema de porcentagem é uma prática comum. Mas precisamos saber até que ponto estamos sendo beneficiados com isso. Vale a pena atender num local que cobra pouco pelos procedimentos e que, desse pouco, você ganhará 15, 20 ou 30% desse valor? Vale a pena se arriscar, juridicamente, por tão pouco? Vale mesmo a pena trabalhar 12, 13 ou 14h por dia, sem flexibilidade na agenda, com um monte de gente amontoada, por tão pouco?

Quando você fez Odontologia, você se imaginou sendo empregado ou você se imaginou um profissional autônomo, dono do próprio nariz?

O início de toda profissão é difícil. Requer investimento, requer divulgação, marketing, atualização e, antes de tudo, fé. ­­É preciso ter perseverança, paciência e jamais esquecer a Odontologia que foi ensinada a você na faculdade.
Nós temos um código de ética que rege a nossa profissão e devemos estar atentos às explorações que estamos sendo submetidos.

Trabalhe dignamente.

Valorize a Odontologia!

 

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