Depois de ler todos (sim, TODOS) os comentários postados no vídeo sobre “Dentista não trabalha de graça” na página Odontodiva da Depressão, no Facebook, em 25/01/16, pude perceber como a realidade do dentista é desconhecida pela maioria da população e, também, como muitos colegas driblam as dificuldades do dia a dia, se adequando à realidade da população que ele atende.
Muitos comentários rudes, muitos xingamentos, enfim, teve de tudo naquele tópico.
Há inúmeras publicações que justificam, legalmente, o motivo pelo qual o Dentista deve cobrar consulta. Há uma norma no nosso código de ética profissional, aquele que rege nossas atividades e nossa conduta perante pacientes e colegas, que diz que não podemos oferecer tratamento gratuito. Porém, o que se vê são as justificativas dos clientes, usando o Código de Defesa do Consumidor, que diz que é “ilegal” cobrarmos para fazer um “orçamento”.
Essa palavra “orçamento” deveria, a meu ver, ser abolida da prática odontológica diária, porque é ela que faz com que nosso CEO vá por água abaixo quando o cliente reclama seus direitos como alguém que está adquirindo um produto.
Sabemos que no Brasil poucos são os que têm acesso aos tratamentos odontológicos, que é obrigação do Estado oferecer tratamento de saúde a todo cidadão brasileiro e que, mesmo diante de tudo que a lei orgânica do SUS preconiza, pouquíssimo é feito (e isso em nada tem a ver com a boa ou má qualificação de profissionais, mas com problemas de gestão, desvios de verbas e sucateamento do serviço público de saúde no Brasil).
Lendo os comentários, percebi que o mais importante é explicar o motivo que nos leva a cobrar a consulta. Tais justificativas vão além de “tenho contas pra pagar”, “eu gasto luva”, “eu estudei”. O cliente não quer saber. Ele entende que para estarmos ali tem um custo, mas isso não importa. Na verdade o cliente quer que nós, Dentistas, saibamos “seduzi-lo“.
Em se tratando de diversas realidades, nós temos que estabelecer um padrão de atendimento. E só conseguiremos estabelecer esse padrão quando soubermos quem estamos atendendo, quando conhecermos o perfil e as expectativas dos clientes que nos procurarem.
Você conhece a renda per capita da população do seu município? Sabe quantos habitantes são? Se a maioria da população é de operários, de agricultores? Você sabe se a água de abastecimento é fluoretada? Sabe o que o paciente espera de você, dentista, quando entra no seu consultório? E, acima de tudo, você sabe exatamente o que ele foi procurar ali no seu local de trabalho? Dentes brancos ou alinhados? Fazer com que o dente pare de doer, ou melhorar o hálito?
Muitos de nós desconhecemos quem são as pessoas que nos procuram e, por isso, acho que houve aquele fuá todo nos comentários do vídeo.
As pessoas se sentiram obrigadas a pagar por algo que, até então não era cobrado, e não sabem o que ganharão com isso. Vocês conseguem entender? Mais ou menos como aconteceu conosco no início de 2015, quando o governo decidiu aumentar a tarifa da conta de luz. Todos nós demos xilique, mas todos nós sabíamos o real motivo? Todos nós nos sentimos lesados como consumidores. E eu, de certa forma, não acho que os leigos que assistiram ao meu vídeo estejam errados. Para eles eu sou mais uma querendo “ganhar dinheiro fácil”.
Muitos comentários me magoaram, outros me causaram crises de risos. Muitos me fizeram questionar se vale a pena dar a cara pra bater em prol de uma Odontologia de qualidade. Chorei também. Admito que meu “vocabulário” pode ter ofendido, enfim. Eu refleti bastante.
Neste texto, além de um desabafo, eu deixo a questão aos pacientes: “O que eu gostaria que tivesse no consultório que justifique o pagamento da consulta”.
Também deixo aos colegas uma pergunta: “A avaliação clínica que eu faço merece ser cobrada?”
Cada qual com a sua consciência, mas com um único objetivo: melhorar a qualidade do serviço prestado na rede privada.
Porque “de graça” por de “graça” o SUS está aí. Aos trancos e barrancos, mas está. (E o pulso, ainda pulsa…)
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