Lembram do Ato Médico, a lei 12.842/2013 que dispõe sobre o exercício da Medicina? Eu esmiucei ele aqui, ainda em 2013, e deixei claro que ela não tinha motivo nenhum pra ameaçar o dentista dentro da sua área de atuação. Teve dentista que ficou com medo de não poder nem mais prescrever um analgésico, mas nada a ver. O Ato Médico regulamenta o que é e o que não é competência do profissional médico, além de apontar para algumas atividades que são privativas dessa categoria. Ou seja, é uma normatização feita por médicos para médicos, já que até aquele momento não existia algo do gênero, o que já era realidade em outras categorias profissionais da área da saúde. O “Ato Odontológico”, digamos assim, é a lei 5081/1966.

Agora a Senadora Lúcia Vânia do PSB-GO está propondo a alteração da lei 12.842/2013. O projeto de lei 350/2014 traz de volta alguns artigos então vetados pela Presidente da República à época, o que novamente trouxe à tona a discussão sobre o Ato Médico. Você pode ler aqui o texto completo do projeto de lei (link para download do PDF).

Ora… se temos uma lei que define nossas competências e o próprio Ato Médico afirma que:

Ato Médico – Lei 12.842/2013

§ 6º O disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação.

… então qual o problema? O problema é que o novo Ato Médico dá o tapa e esconde a mão. Ele versa sobre questões bem específicas, que podem fornecer embasamento jurídico pra quem quiser questionar a execução de certos procedimentos por cirurgiões-dentistas. Afinal, a área de atuação do dentista é o sistema estomatognático, e é difícil pacas definir o que se inclui no sistema estomatognático ou “até onde ele vai”. Cada fonte consultada vai dizer uma coisa diferente. Já a área de atuação do médico é… o universo tudo, independentemente de sua especialidade.

Aplicação de toxina botulínica

Os artigos polêmicos da nova proposta para o Ato Médico estão nos artigos 4 (“são atividades privativas do médico”) e 5 (“são privativos de médico”), por razões óbvias: o que estiver escrito ali define o que só médicos podem fazer. A ideia da Senadora Lúcia Vânia é acrescentar o seguinte (destaques meus):

Art. 4 – São atividades privativas do médico: 

(…)

XV – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica;

XVI – indicação do uso de órteses e próteses, exceto as órteses de uso temporário;

XVII – prescrição de órteses e próteses oftalmológicas.

(…)

§ 4º:

(…)

IV – invasão da epiderme e derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos;

V – invasão da pele atingindo o tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem, instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos.

(…)

§ 5º:

(…)

X – aplicação de injeções subcutâneas, intradérmicas, intramusculares e intravenosas, de acordo com a prescrição médica;

XI – cateterização nasofaringeana, orotraqueal, esofágica, gástrica, enteral, anal, vesical, e venosa periférica, de acordo com a prescrição médica;

XII – punções venosa e arterial periféricas, de acordo com a prescrição médica.

(…)

§ 8º Não são privativos do médico os diagnósticos funcional, cinésio-funcional, psicológico, nutricional e ambiental, e as avaliações comportamental e das capacidades mental, sensorial e perceptocognitiva.

Art. 5 – São privativos de médico:

(…)

V – direção e chefia de serviços médicos. 

(…)

Basicamente, incluiu-se o que foi vetado da última vez. E tem umas mudançazinhas marotas aí… cês viram? Se não viram, vamos lá: falou em agulha, o negócio é com eles. Claro que ninguém acha que pra que um dentista faça o bloqueio anestésico do nervo alveolar inferior, por exemplo, seja preciso um médico segurando a mão dele. Até porque, nesse caso, é mais do que claro o fator área de atuação. Mas esses mudanças não visam interferir nisso…

… só sendo muito ingênuo pra não entender que um dos alvos é a aplicação de toxina botulínica e ácido hialurônico pelo cirurgião-dentista. A Resolução 112/2011 do CFO, alterada posteriormente pela Resolução 146/2014, em seu artigo segundo afirma que “… o uso da toxina botulínica será permitido para procedimentos odontológicos e vedado para fins não-odontológicos”. Quer coisa mais genérica que isso? O que seria um “fim odontológico”? Basicamente, alguns diriam, seria dizer que o uso dessas substâncias pelo cirurgião-dentista estaria proibido para fins estéticos, sendo permitido apenas para fins exclusivamente terapêuticos (bruxismo, sorriso gengival, DTM, dores faciais, etc.). ~Tá serto~, Odontologia e estética não têm nada a ver. 😀 Outros argumentariam que o problema é a aplicação na derme, e a derme está fora da área de atuação do dentista. Ok. Mas, nesse caso, não podemos mais drenar abscessos extra-orais, por exemplo? Entendem como é complicada esse delimitação?

Concluindo, reitero o que havia dito no post anterior sobre o assunto: a sugestão do artigo 5 da nova proposta, de que só médicos podem chefiar serviços médicos, é ofensiva. O atendimento é feito por uma equipe multidisciplinar, não havendo justificativa para que apenas uma categoria tenha a prerrogativa de direção e chefia na unidade de saúde. Os buco pira. 😉

Existe uma consulta pública com relação às mudanças no Ato MédicoDiga lá se você é contra ou a favor dessas mudanças. 

E você colega dentista, acha o quê de tudo isso? Deixe sua opinião nos comentários. 

Leia também: Projeto de Lei do Senado 350/204 – Ato Médico e Área de Atuação dos Dentistas, no Blog DicasOdonto e Por que tantos tatuadores estão putos com o Ato Médico? no VICE 

UPDATE EM 1/08/2016: A Senadora Lúcia Vânia retirou o projeto.

Ato Médico

Projeto removido

Ato Médico

Resultado da consulta pública

Diferença expressiva no resultado da consulta pública no site do Senado…

UPDATE EM 1/09/2016:

O Plenário do CFO, composto pelos nove conselheiros efetivos e oito suplentes, aprovou por unanimidade em reunião em 1 de setembro na sede do Conselho em Brasília resoluções que regulamentam o uso da substância toxina botulínica por cirurgiões-dentistas, as residências em Odontologia e a concessão de diárias. As resoluções entrarão em vigor após a publicação, que acontecerá nos próximos dias.

O Plenário autorizou os cirurgiões-dentistas a utilizar a toxina botulínica e os preenchedores faciais para fins terapêuticos funcionais e/ou estéticos, desde que não se extrapole a área anatômica de atuação do profissional da Odontologia (novamente, algo aberto a interpretações…). O uso estético dessas substâncias deve ter como finalidade a harmonização facial em sua amplitude. Notícia completa no site do CFO.

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