Em recente caso publicado em um jornal brasileiro, duas estudantes do ciclo básico de Odontologia conversavam em uma rede social.

O diálogo começa com uma delas relatando que, durante um atendimento a uma criança que não parava de chorar, resolveu seguir a orientação da professora e adotar uma “postura forte e não dar abertura para a criança fazer birra”. A decisão foi furar a gengiva do paciente e ameaçar: “Você quer com dor ou sem dor?”. Ela finaliza comemorando o sucesso do feito: “Não chorou mais nada”.

E aí entra a segunda jovem que escreveu: “Mentira, mano. Vou guardar isso pra mim. (…) Furar. Amei”.

O caso foi repercutido, com retratação pública da universidade, e creio que as estudantes aprenderam a lição do modo mais difícil. Mas não podemos relevar o fato, talvez praticado em outras ocasiões, por outros alunos/profissionais. A violência nos consultórios.

Como assim? Já problematizaram?

Sim. Não é assunto discutido pelos colegas e acontece todos os dias. Talvez  nunca tenha acontecido em sua prática diária, mas em consultórios próximos. A questão não é de agressão física ou identificar um caso de violência doméstica, mas em abusar da confiança que o paciente depositou no dentista e que foi quebrada em algum momento com procedimentos ou atitudes desnecessárias, tipo a furada de gengiva no momento da profilaxia, ou quando percebemos a expressão de dor em um tratamento clínico: a negativa de uma anestesia eficiente é um tipo de violência.

Aparentemente, a odontopediatria é a área da Odontologia onde essa violência seria mais vista. Porém a questão aqui não é sobre imobilizações e técnicas para estabilização emocional da criança, cujos embasamentos têm respaldo científico e são necessárias inclusive para a segurança física de todos os envolvidos. Mas sobre o quão mecanizado os atendimentos podem se tornar em função de fatores “produtivos” ou questões emocionais. A necessidade de rendimento, um fluxo intenso de pacientes, ou mesmo a pura falta de empatia acaba insensibilizando alguns profissionais quanto à qualidade da atenção dispensada durante os tratamentos. E vai de procedimentos menos complexos como a tomada de radiografias até os pós-operatórios em atos cirúrgicos.

Vale lembrar que os clientes muitas vezes já vêm ao consultório com restrições emocionais, com traumas de procedimentos anteriores ou de ouvirem falar que o sofrimento acompanha o tratamento. Usar a confiança do profissional como forma de subjugar outrém contraria a ética, o bom senso comum e o Juramento de Hipócrates. Cabe ao dentista escolher a técnica de preferência e executá-la, para o bem-estar físico e emocional de pacientes e profissionais.

#violênciaOdontológica

 

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